DÉCIMAS DE DESPEDIDA DO FARRAPO ANÔNIMO

I

Nossa tropa ia cansada pelos pagos à deriva

Por coxilhas e picadas, entre bosques e banhados

Um clarim sempre em alerta (esperando a ofensiva)

Uma paisagem deserta e o medo por todos os lados.

Adagas, lanças e espadas, garruchas e também canhões

Assombrando a cavalgada com sede, pavor e fome

Retumbando em campo aberto, sons de cascos e corações

(Sentir a morte tão perto é uma dor que não tem nome!)

Era uma angústia sem igual... Agonia que se alarga...

Esperando que o General gritasse, enfim: “-A la carga!”

II

A tropa ia se arrastando qual cruzeira no mormaço

Nos fins de tarde acampando ao redor das labaredas

Banhando em goles de canha o carreteiro com espinhaço

Da bebedeira tamanha aos pelegos de vereda

Tantos guapos maltrapilhos avançando em procissão

Ao longe mulher e filhos, só a incerteza pela frente

Foi essa triste experiência que tive na revolução

Co’a saudade da querência e o sofrimento latente

Lenço rubro no pescoço, avancei sem ter mais nada

Sofrenando a dor no osso e sem pensar em debandada!

III

Só queria estar no rancho, mateando, cercado dos meus

Não alimentar caranchos, nem morrer na luta armada

Queria rever a prenda, nem que fosse para um adeus

Mas o rumo da contenda se tornou minha morada

Fiz pátria sobre os pelegos, deserdado de esperanças

Nunca mais meu aconchego! Nunca mais minha família!

Nunca mais um paradeiro! Só restaram as lembranças...

Lá se foi meu mundo inteiro numa única encilha

Pés descalços no estribo e olhos turvos de saudade

Eis então o meu castigo ao lutar por igualdade!

IV

E o clarim acorda a morte – tudo em volta é só peleia

Toda carne aguarda um corte, pois matar já é o que importa

A pólvora nas narinas e o aço rompendo veias

Quando o fim já se aproxima o combate nos conforta

O verde fica encarnado e a dor é plantada no chão

Entre cerros e banhados, entre sangas e canhadas

Vão moldando o entrevero os restos de cada peão

Gritaria e desespero, tantas vidas encerradas...

Nossa causa era tão vasta... Mesmo assim, menor que a morte

Pois para ser livre não basta, ser bravo, aguerrido e forte!

V

Assim cumpri meu destino e escrevi o meu lamento

Hei de ser sempre um menino que um dia sonhou ser bravo

Ainda que o mundo mude, permanece o ensinamento

Se um povo não tem virtude acaba por ser escravo!

Assim segui minha trilha, num galope sem vitória

Revirando essas coxilhas, sob a sombra da incerteza

Assim me fiz farroupilha, escrevi um naco da história

Para trás ficou família... na garupa só tristeza!

Rogo em minha fé tamanha, ao Deus que permite a guerra

Que sirvam nossas façanhas de modelo a toda a Terra!

VI

Compreendi sobre o cavalo que a guerra não tem vencedor

Logo a morte dá um pealo (do qual não há escapatória)

É sangria que borbulha, vertendo sofrimento e dor

Quem peleou sempre se orgulha de ter honra em sua história!

Segui firme em minha trilha, num legado apenas meu

Pois destino não se encilha e sempre prenuncia o fim

Ouvi numa noite fria uma coruja pelo breu

Num cantar que é profecia... “Mala suerte”... Coisa ruim!

E não vi nascer meus netos nem a paz de Ponche Verde

Nem sei se estava correto... Mas fui Farrapo e rebelde!

VII

E a coruja foi presságio da emboscada caramuru

Uma lança fria e ágil... rasgou-me o poncho e o peito

Dei adeus para as batalhas que incendiaram este sul

Sem mortalha, nem medalhas cheguei ao último leito

Perdi todos os esteios, se apagaram minhas vistas

Quando tombei dos arreios, estendido no pastiçal

Entre chilcas e gravatás, com lâmina imperialista

Fiquei ali, assim no más, sem despedida ou funeral!

Mas aprendi com a minoria (quando ainda estava vivo)

Que para morrer sem honraria... A liberdade é um bom motivo!

Um comentário:

  1. Esses versos, para mim, mesmo descendente dos imperialistas, Joca Tavares(parentesco colateral), do visconde de Cerro Alegre e do Barão de Santa Tecla(cujo sangue corre direto em minhas veias e com orgulho), soam como honraria. Estes, como rAro nos livros e escritos, por mim pesquisados, sobre a história do Brasil e da |República Rio Grandense, VERDADEIROS, SINCEROS E GENUÍNOS. Com exceção do livro Campos Realengos de Raul Pont, não me agrada as versões dos historiadores, pois que, contam tais feitos apenas sob uma perspectiva, a bela, eu diria, sob uma análise unilateral, descontextualizada, maniqueísta, expondo um ator histórico como o dono da verdade e da justiça e o outro como vilão apenas.
    Gostei do respeito, da forma e da análise sobre o tema. |

    ResponderExcluir