CASÓRIO

A Catedral da Maualândia estava completamente lotada, tudo preparado para o início do casamento, só faltava a noiva que, como manda a tradição, estava bastante atrasada.
O noivo era daquelas pessoas impacientes e inseguras que ficam perguntando tudo, diante da situação sua neurose se agravava ainda mais e ele não conseguia ficar calado.
-Quantos minutos já se passaram?
-Será que a gente vai se atrasar para a lua-de-mel?
-Será que a minha gravata não tá torta?
-Será que ela vem?
Quando o desespero já ameaçava tomar conta de todos, a marcha nupcial invadiu a igreja, os convidados ficaram de pé, se viraram e ela entrou, lindíssima, maravilhosa (como qualquer noiva). Os dois sorriram bastante num excesso de felicidade, se deram as mãos e a cerimônia começou.
O padre citou até Shakespeare durante o sermão, o noivo se mordia de vontade perguntar onde estavam as alianças, foi quando a noiva começou a fazer caretas estranhas.
Num primeiro momento ninguém percebeu nada, mas aquela ginástica facial foi ficando mais evidente, então o padre perguntou:
-Você está se sentindo bem minha filha?
-O que você tem meu amor? – o noivo finalmente descarregava uma pergunta.
-Nada... está tudo bem... – disse a noiva num tom baixo e com cara de assustada.
A cerimônia continuou, o noivo fez o juramento, alguns parentes choraram emocionados, até que a noiva deu um grito e se abaixou.
Foi um susto geral, todos ficaram estarrecidos, o noivo neurótico estava em pânico.
-O que foi amor? O que você está sentindo? O que está doendo?
A noiva gemia sem parar, olhou para o padre e quase chorando gritou:
-Padre, eu estou grávida!

...

Foi como se tivessem jogado uma bomba dentro da catedral, um chilique coletivo, muitas tias desmaiando. A mãe da noiva foi a primeira, o pai chorava preocupado com a reputação da família, o noivo sorria com uma cara paspalhamente feliz e o padre estava com os olhos arregalados, completamente perplexo. A situação não era peculiar e constrangia todos os presentes que falavam ao mesmo tempo:
-Bem que eu achei ela meio barrigudinha.
-Mãe do céu, isto é heresia, que menina devassa!
-É a desgraça da nossa família.
-E eu que nem notei barriga, também com aquele vestidão...
-Os tempos estão mudados, hoje em dia não se respeita mais nada!
O padre sem saber muito bem que atitude tomar tentou controlar a confusão.
-Por favor, estamos na casa do Senhor, façam silêncio!
-Será que alguém pode chamar a ambulância? – perguntou o noivo.
-Não...dá...tempo...já tá saindo – disse a noiva caminhando toda dobrada e entrando na sacristia. Imediatamente mais pessoas desmaiaram e o noivo ficou incontrolável.
-O que é que eu faço? E agora?

...

O padrinho do noivo (que era médico) entrou na sacristia para auxiliar no parto, acompanhado do padre e de uma senhora gorda que ninguém sabia de onde havia saído. O pânico era total, os gritos da noiva ecoavam pela catedral e o noivo corria de um lado para o outro carregando toalhas e água (a essas alturas água benta).
-Isso é sacrilégio!
-Chamem a ambulância!
-Deus nos acuda!
-Coitadinha da noiva, e eu nem notei barriga.
-Que absurdo, isso é uma barbaridade!
Para piorar a situação o noivo, enquanto corria baratinado, bombardeava de perguntas os convidados já apavorados.
-Será que vai ser menino ou menina?
-Será que precisa tesoura pra cortar o umbigo?
-Será que eu tenho jeito de papai?
-Será que o meu sogro vai me matar?
O sogro depois de vários ataques histéricos também já tinha desmaiado, então os berros da noiva cessaram e um clima de suspense tomou conta da catedral. O padre saiu correndo da sacristia com a batina ensangüentada e os olhos bem mais arregalados do que antes, parou no altar, olhou para todos e gritou:
-É um menino!

...

Tudo ficou mais calmo, já havia um ar de felicidade entre as famílias, todos queriam ver a criança, o padre suspirava aliviado com o final do parto e o noivo já estava com aquela cara de bobo que somente os pais têm. Aparentemente a situação estava sob controle, então o noivo, com o filho no colo e notando que não tinha sequer posto a aliança, virou-se para o padre e como já era de costume fez uma pergunta.
-Padre, será que não dá pra gente terminar o casamento?
O padre ficou uns instantes em silêncio, continuava sem saber direito o que fazer, tinha muitas dúvidas sobre aquele caso e achou melhor adiar a decisão com uma saída estratégica.
-Meu filho, vamos aguardar a ambulância, a moça precisa de cuidados médicos, depois nós conversamos.
-Mas padre, então aproveitando os convidados, será que não dá pra batizar o bebê?
-?

...

Desde aquele dia, sempre que realizava uma cerimônia de casamento, o padre da Maualândia olhava bem para a barriga da noiva com certo ar de desconfiança.



Escrito em Arroio Grande no inverno de 2001.

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