Lá estava eu, escorado na parede, tomando uma dose para desatrapalhar. O “baile vermelho e preto” entupido de gente. Meus olhos corriam pelo salão atrás da Vanda e do seu par de coxas. Havia nela um short, mas era como se não houvesse. Entre piratas, gays, colombinas e outras espécies, ela parecia ser a única coisa no meio do carnaval. Pensei numa aproximação. Desisti. Pensei de novo. Desisti. Pensei outra vez. Desisti.
“- Eu passo a mão na saca, saca, saca-rolha e bebo até...”
Pensei de novo, mas era preciso comprar coragem.
- Garçom! Outra dose para desatrapalhar!
O short de jeans estava sendo sugado entre as coxas suadas da Vanda. Que par de coxas! Alguns confetes boiavam no meu copo de whisky quando ela sumiu. Rodei o salão à procura daquelas coxas. Entrei e sai de vários “trenzinhos”, “ralei na boquinha da garrafa”, “segurei o tchan”, fiz a “dança da Lacraia”, e “dança do Créu” entre outras tantas coreografias constrangedoras. Quando consegui escapar da esfregação coletiva, levando comigo um pouco do suor de cada um, fui “só no sapatinho” procurar a Vanda fora do baile.
- Garçom, vou levar uma dose para desatrapalhar!
No estacionamento então encontrei ela. A Vanda estava de braços cruzados e com o par de coxas escorado numa Brasília amarela (e era mesmo uma Brasília amarela). Ensaiei a aproximação. Desisti. Voltei atrás. Desisti. Agora eu vou...
- E aí Vanda, o que cê tá fazendo aí?
Que chegada horrível, tomei um gole de whisky para impor meu estilo e, junto com a bebida, um confete que ainda estava boiando no copo. Colou na garganta. Procurei me afogar com descrição.
- Oi, eu estava contando as estrelas. – Disse ela ofegante e com o par de coxas todo suado.
- Eu vi você sair, tss tss, e achei que nós, tss tss... – Maldito pedaço de papel. Impossível não tossir.
- Quer um pouco? – Ela me interrompeu oferecendo lança-perfume, achei melhor agradecer, pois sempre me dava dor de cabeça. Finalmente engoli o confete.
- Não, obrigado. – Será que ela acharia caretice?
- Pô cara, que caretice!
- Já preenchi a minha cota esta noite. – Tentei uma saída estratégica que me fizesse parecer experiente e não babaca. Ela sorriu. Acho que não colou. O Par de coxas não parava de me olhar, enquanto eu tentava puxar assunto, até que a Vanda desabafou. Eu era bom nisso.
- Pô cara, eu não sou muito de falar.
- As rosas não falam! – disse eu, apelando para o romantismo.
- O quê? - Cartola.
- Não entendi.
- Você nunca ouviu falar de Cartola?
- Ah sim, é aquele cara que manda nos times de futebol, né?
A Vanda não era muito inteligente. Talvez por isso as rosas não falassem.
- Deixa pra lá. Quando é que você volta para Curitiba? – Até hoje não entendi porque fiz uma pergunta tão imbecil.
- Pô cara, isso vai depender dos meus pais.
- Bom... Vanda... e se a gente fosse para outro lugar... tomar uma dose... só para destrap...
- Pô cara, eu gostaria muito! – Ela topou. Também com a minha argumentação. Inacreditável, ela topou. Eu realmente era bom nisso.
- Bom, Vanda, então...
- Gostaria, mas não posso.
- Como assim?
- Pô cara, eu estou com as minhas primas e não posso voltar para casa sem elas.
Senti que era o momento de tentar algo mais direto. Era tudo ou nada. Raciocinei rápido e usei uma frase infalível. Ao menos parecia ser. A Vanda estava perdida.
- Puxa Vanda, como está frio aqui fora. – Meu tom de voz foi envolvente. Era inevitável que nos abraçássemos.
- Pô cara, é verdade, vou voltar para dentro do baile que está bem melhor.
- Você vai...
- Minhas primas já devem estar procurando por mim. Vou nessa.
- Mas...
- Pô cara, vai ficar aí fazendo o quê?
- Vou ficar recontando as estrelas que você estava contando. – Ela sorriu de novo. Não sei se minha frase foi charmosa ou ridícula, mas Vanda sorriu. O par de coxas também sorriu. Mesmo com a momentânea derrota, não perdi a pose e fiquei irresistivelmente sério, sentado na Brasília amarela.
Acho que ela não percebeu, mas assim que se afastou eu me pus a vomitar. E como vomitei. Pela boca e pelo nariz. Acho que até pelos olhos. Também depois daquele oceano de whisky. Vomitei mesmo. Não lembro de rever o confete. Mas como vomitei.
...
Na quarta de cinzas eu era a própria cinza no meu quarto. Minha mãe jurou que fui trazido para casa por um rapaz alto vestido de baiana, que ela nunca tinha visto. Minha mãe era brincalhona. Ainda sou o mesmo. Eu acho. Assim que o teto do meu quarto parou com aquela coreografia giratória, resolvi visitar o que havia sobrado da quarta-feira. O Olodum inteirinho tocava dentro da minha cabeça quando fiz um chimarrão e a empregada invadiu a cozinha parecendo o Godzila.
- Uma moça bonita deixou este bilhete para o senhor!
Seria da Vanda. Ai que par de coxas. Era da Vanda. Ela dizia que os pais dela inventaram de viajar logo cedo, para não pegar tráfego na rodovia. Prometia me ligar caso descobrisse o número do telefone. Voltaria de Curitiba no próximo carnaval. Eu era um cara estranho, mas interessante. Ela queria saber mais sobre o cara que mandava nos times de futebol. Um pouco de batom no papel. E só.
...
Lá estava eu, com o bilhete na mão e a imagem daquele par de coxas. A água do chimarrão não ficou bem quente. Acho que depois da ressaca vou escrever um conto ou compor uma canção para a coxa e o seu par de Vandas. Eu, um cantinho, um violão, esse amor... e uma dose para desatrapalhar.
Nenhum comentário:
Postar um comentário