DÉCIMAS DE DESPEDIDA DO FARRAPO ANÔNIMO

I

Nossa tropa ia cansada pelos pagos à deriva

Por coxilhas e picadas, entre bosques e banhados

Um clarim sempre em alerta (esperando a ofensiva)

Uma paisagem deserta e o medo por todos os lados.

Adagas, lanças e espadas, garruchas e também canhões

Assombrando a cavalgada com sede, pavor e fome

Retumbando em campo aberto, sons de cascos e corações

(Sentir a morte tão perto é uma dor que não tem nome!)

Era uma angústia sem igual... Agonia que se alarga...

Esperando que o General gritasse, enfim: “-A la carga!”

II

A tropa ia se arrastando qual cruzeira no mormaço

Nos fins de tarde acampando ao redor das labaredas

Banhando em goles de canha o carreteiro com espinhaço

Da bebedeira tamanha aos pelegos de vereda

Tantos guapos maltrapilhos avançando em procissão

Ao longe mulher e filhos, só a incerteza pela frente

Foi essa triste experiência que tive na revolução

Co’a saudade da querência e o sofrimento latente

Lenço rubro no pescoço, avancei sem ter mais nada

Sofrenando a dor no osso e sem pensar em debandada!

III

Só queria estar no rancho, mateando, cercado dos meus

Não alimentar caranchos, nem morrer na luta armada

Queria rever a prenda, nem que fosse para um adeus

Mas o rumo da contenda se tornou minha morada

Fiz pátria sobre os pelegos, deserdado de esperanças

Nunca mais meu aconchego! Nunca mais minha família!

Nunca mais um paradeiro! Só restaram as lembranças...

Lá se foi meu mundo inteiro numa única encilha

Pés descalços no estribo e olhos turvos de saudade

Eis então o meu castigo ao lutar por igualdade!

IV

E o clarim acorda a morte – tudo em volta é só peleia

Toda carne aguarda um corte, pois matar já é o que importa

A pólvora nas narinas e o aço rompendo veias

Quando o fim já se aproxima o combate nos conforta

O verde fica encarnado e a dor é plantada no chão

Entre cerros e banhados, entre sangas e canhadas

Vão moldando o entrevero os restos de cada peão

Gritaria e desespero, tantas vidas encerradas...

Nossa causa era tão vasta... Mesmo assim, menor que a morte

Pois para ser livre não basta, ser bravo, aguerrido e forte!

V

Assim cumpri meu destino e escrevi o meu lamento

Hei de ser sempre um menino que um dia sonhou ser bravo

Ainda que o mundo mude, permanece o ensinamento

Se um povo não tem virtude acaba por ser escravo!

Assim segui minha trilha, num galope sem vitória

Revirando essas coxilhas, sob a sombra da incerteza

Assim me fiz farroupilha, escrevi um naco da história

Para trás ficou família... na garupa só tristeza!

Rogo em minha fé tamanha, ao Deus que permite a guerra

Que sirvam nossas façanhas de modelo a toda a Terra!

VI

Compreendi sobre o cavalo que a guerra não tem vencedor

Logo a morte dá um pealo (do qual não há escapatória)

É sangria que borbulha, vertendo sofrimento e dor

Quem peleou sempre se orgulha de ter honra em sua história!

Segui firme em minha trilha, num legado apenas meu

Pois destino não se encilha e sempre prenuncia o fim

Ouvi numa noite fria uma coruja pelo breu

Num cantar que é profecia... “Mala suerte”... Coisa ruim!

E não vi nascer meus netos nem a paz de Ponche Verde

Nem sei se estava correto... Mas fui Farrapo e rebelde!

VII

E a coruja foi presságio da emboscada caramuru

Uma lança fria e ágil... rasgou-me o poncho e o peito

Dei adeus para as batalhas que incendiaram este sul

Sem mortalha, nem medalhas cheguei ao último leito

Perdi todos os esteios, se apagaram minhas vistas

Quando tombei dos arreios, estendido no pastiçal

Entre chilcas e gravatás, com lâmina imperialista

Fiquei ali, assim no más, sem despedida ou funeral!

Mas aprendi com a minoria (quando ainda estava vivo)

Que para morrer sem honraria... A liberdade é um bom motivo!

2º EXPOCANTO

CIRANDA DE ESPORAS

(Letra: Sidney Bretanha Música: Miguel Vidal)

G

Vai o cavalo atrás do gado

Espora em flor, rente a virilha

No lombo as marcas de um trançado

No couro a dor, seguindo a trilha!

G

Maneja as rédeas o campeiro

Carrega laço e boleadeira

Vai do seu lado um ovelheiro

Vai entre os dedos a açoiteira!

G

Homem do campo e montaria

Se vão ao trote campo afora

Eternizando a confraria

Que fala a língua das esporas!

G

É sempre a mesma recorrida

Entre crepúsculos e auroras

E lá se vão por toda a vida

Ao som do guizo das esporas!

G

Num trote largo entre a pastagem

Em Sol a pino ou madrugadas

Assim a espora é uma engrenagem

Que movimenta as campereadas!

G

G

G

NEGRA SERAFINA

(Sidney Bretanha)

G

A pele feito tição

Nos olhos a compreensão

Braços e mãos calejadas, uma avó, uma menina

Nos cabelos a geada – vai a negra Serafina!

Com ternura e humildade entre o campo e a cidade...

G

A eterna guria

Nas rugas... sabedoria

Traz consigo a beleza e a força feminina

Ao avesso da tristeza – vai a negra Serafina!

Com seu velho avental entre a cozinha e o quintal

G

Vassoura de chilca e um lenço de chita

Que prenda faceira, que preta bonita

Cuida o fogão, ceva um amargo e faz faxina

Lavando roupa entre as panelas e a capina

Seu coração maior que a pampa nos ensina

Que o tempo passa e segue a lida, Serafina!

(Que o tempo passa e segue linda a Serafina...)

G

A pele feito tição

O amor na palma da mão

Tem as vistas marejadas, tem a alma campesina

No seu colo a criançada – vai a negra Serafina!

Com seu riso nos levanta, mais parece até uma santa...

De volta à ativa (Não, NUNCA estive na passiva, não vão pensando bobagem! Que mentes poluídas!)

Estou reativando o Blog depois de um período de hibernação e campanha política. A intenção é atualizar semanalmente (não prometo nada), mas todos são bem vindos desde já.
Abraços fraternos, verdes, musicais e literários!





Sidney Bretanha

http://twitter.com/sidney_bretanha

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TORTURAS

I
Carlinhos não devia ter mais do que cinco anos quando o indesejado aconteceu. Um homem barbudo, alto e forte (que atendia pelo nome de Clóvis) obrigou o pequeno Carlinhos a sentar numa estranha cadeira e imediatamente começou a caminhar em círculos, observando atentamente o comportamento do menino. Tomado pelo medo, Carlinhos até pensou em gritar por socorro, porém o homem barbudo foi mais rápido e amarrou um pano em sua garganta com tanta força que ele mal podia respirar. Um enorme pavor, então, tomou conta do menino. O homem barbudo, olhando fixo nos olhos de Carlinhos e sorrindo discretamente, abriu uma pequena gaveta onde o menino pode observar vários objetos pontiagudos, frascos jamais vistos e lâminas de diversos tamanhos. Foi nessa hora que Carlinhos começou a chorar silenciosamente. As lágrimas escorriam pelas bochechas e pingavam na ponta de seu queixo miúdo e esbranquiçado. Através de um enorme e retangular espelho ele conseguiu avistar seu pai, sentado lendo um jornal e parecendo não dar a mínima importância para o desespero do filho. O menino imaginou estar vivendo um pesadelo, o maior de sua vida, que se tornava ainda mais sofrido perante a omissão do próprio pai a todo aquele ritual de tortura. Alguns minutos se passaram até o pai de Carlinhos soltar o jornal e finalmente tomar uma atitude. Pagou o barbeiro pelo serviço e saiu pela rua levando o filho pela mão.

 
II
Alexandre estava sentado, com os óculos na ponta do nariz e o olhar fixo numa revista de turismo quando a escultural morena adentrou o recinto exalando um perfume de intensos poderes afrodisíacos. Com cabelos negros, enormes olhos verdes uma boca carnuda e sedutora a mulher bateu a porta, sentou-se na frente de Alexandre e cruzou as pernas expondo a fartura das belas e grossas coxas, que se comprimiam numa minúscula mini-saia. Alexandre engoliu em seco e começou a puxar assunto com extrema cautela. Em poucos instantes os dois já estavam falando sobre intimidades diversas, relacionamento e sexo. Após revelar vários segredos de sua vida sexual a mulher ergueu-se da cadeira e caminhou timidamente até uma pequena cama que se encontrava a poucos metros de uma janela basculante. Abaixou a mini-saia e deixou visíveis suas nádegas bem torneadas e lisas, cobertas apenas por uma pequenina calcinha preta de renda. Depois subiu na cama, feito uma pantera e pediu para Alexandre ter paciência, pois ela não fazia aquilo há muito tempo. A morena esticou seu lindo corpo, tirou a calcinha (com leve desembaraço) e abriu as pernas bem devagar, sem olhar na direção de Alexandre. Muita coisa poderia ter acontecido naquele dia, porém o homem sequer chegou a tirar sua roupa, apenas fez o que já estava acostumado. O importante para Alexandre, naquela ocasião, era ser firme e não demonstrar o súbito desejo que a bela morena lhe despertara. Afinal não ficaria bem para ele, ainda mais se tratando do ginecologista mais conceituado da capital.


Publicado em 02 de outubro de 2009.

E UMA DÉCADA SE PASSOU...

Em 2009 faz exatamente dez anos que meu livro, de poemas concretos, “Delírio Delicado” foi editado. A publicação foi ideia do amigo Valder Valeirão (e também das primeiras produções deste grande web designer) estando entre os poucos títulos lançados pela extinta SMQP (Sociedade Mário Quintana de Poesia) de Pelotas. A pequena obra ainda contou com capa elaborada pelo político do PT Donga, com prefácio assinado pelo saudoso e genial Pedro Bittencourt (o velho Pedro) e deixou evidentes as influências de Décio Pignatari, Haroldo de Campos, Augusto de Campos, Walter Franco e Arnaldo Antunes. Delírio Delicado chegou ao conhecimento do público num pré-lançamento ocorrido no Clube do Comércio (durante um show da cantora Luciana Pestano, que embora muitos nem lembrem/saibam esteve em Arroio Grande). Em seguida o lançamento oficial do livro aconteceu na festa de inauguração do Centro de Cultura Basílio Conceição (apesar de não ser incluído no protocolo e nem receber nenhuma citação oficial, comprovando que minha relação problemática com o PDT já vem de muito tempo atrás). Alguns poemas do Delírio Delicado chegaram a ser musicados, como “Sem musa” e “Alguém que me agrade”, este último fazendo parte do disco Rota da Estrela do compadre Cardo Peixoto. Delírio Delicado teve apenas uma edição com pequena tiragem de 500 exemplares, estando obviamente esgotado há tempos (quer dizer, acho que minha mãe tem uma cópia escondida... coisas de mãe), porém é possível fazer download completo do livro no site (sidneybretanha.com na sessão “livros”). Outros poemas do mesmo estilo podem ser conferidos em minha página no portal Mural dos Escritores ou neste Blog.
Pode até ser que Delírio Delicado não tenha lá grande importância literária, no entanto é uma obra que faz parte não apenas de meu discreto histórico pessoal como artista, mas também da produção cultural de nossa cidade; por tudo isso decidi lembrá-la na coluna desta semana (além de me exibir um pouco também, é claro). Não deixem de conferir no site! Desde já agradeço as visitas e até a próxima semana.
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Publicado em 25 de setembro de 2009.

O DIÁLOGO DO MILITANTE FANÁTICO COM O TORCEDOR SURDO NA FILA DO CAIXA ELETRÔNICO

- Acho o fim, esse povo chato falando pelas esquinas!

- Sim, foi ruim parar o campeonato por causa da gripe suína!


- Eles têm essa esperança de cassar o Jorginho!

- Claro que faz diferença escalar o Leandrinho!


- Pena que não perderam pro Eglom!

- É, tem o Teteu que também faz gol...


- Aliás, essa gente do Eglom e do Chaleira são um lixo!

-...ou o Marlon, que não é brincadeira e ainda o Mincho!


- Gostam de mamata e só lhes convém ver o circo pegar fogo!

- Pois é, o Batata é um cara que conhece muito bem o jogo!


- Nós temos é que acabar com essa raça do PDS!

- Também acho que vamos ganhar a Taça RBS!


- E na eleição, eles dizem que o Jorginho cometeu um crime!

- Sempre é o Capitão... o Marquinho que organiza o time!


- Isso é uma pobreza! Eu odeio o Meridional, só leio a Evolução!

- Com certeza... Pra falar de futsal quem sabe é o Otávio Falcão!


- Estou falando da eleição, seu animal!!!

- Sim, eu sei que é da seleção de futsal!


- Bah tchê, mas tu não presta, garanto que votasse no PP!!!

- Gostei da ideia, vamos fazer uma festa se a seleção vencer!


- Vocês são fofoqueiros e atrasados, o Ronaldo é que tem razão!

- Pode deixar que eu te guardo um lugar do meu lado lá no Gitão!


- Os PP são uns filha-das-P*, esse gente adora lançar boato!

- Ou quem sabe a gente escuta, pela Difusora ou pela cento e quatro!


- Besta igual a ti não tem... tu é um baita ignorante!

- Isso aí... Não tem pra ninguém! Dá-lhe Arroio Grande!


- Ah, se eu pego quem votou no Chaleira, eu juro que eu esfolo!

- Claro que podemos levar bandeira, mas... não vou sentar no teu colo!!!


Publicado em 19 de setembro de 2009.

JÁ QUE O ASSUNTO É ESSE...

A última segunda-feira (Dia da Independência) causou pânico na comunidade, uma vez que o temporal deixou grandes estragos na Terra de Mauá. O que para alguns se chama “El Niño” e, para outros, Temporal de Santa Rosa, castigou com extrema violência a região sul e não poupou Arroio Grande de suas marcas de devastação. Os prejuízos do mau tempo ainda serão assunto nas rodas de mate por um bom tempo, contudo acredito que nada deixou a população tão insegura quanto a falta de energia elétrica, que estendeu-se Por Aqui até o princípio da noite. Como afirma o velho ditado: “água e luz a gente só dá valor quando falta!”. Mas imaginem por alguns instantes como seria a vida sem luz elétrica. Ninguém mais usaria o caixa eletrônico (que muitas vezes mais nos estressa do que nos auxilia, além de pagarmos pelo serviço), ninguém mais navegaria na internet (seria o fim das redes de pedofilia, dos golpes virtuais, dos prejuízos às relações humanas causados pela rede e também da conta no fim do mês, é óbvio). Ninguém mais assistiria TV (consequentemente, não haveria novelas, nem enlatados americanos, nem BBB, nem programas de sertanejo e forró, nem propagandas de disk sexo durante os desenhos infantis, nem Silvio Santos, nem Zorra Total... é, nesse caso não seria nada mal MESMO). Não haveria cartão de crédito para pagar nem TV por assinatura nem baile funk nem metrô nem óbitos por choque elétrico nem aspirador de pó passeando pela sala nos dias de ressaca. O caso é que, infelizmente, também não haveria CD, DVD, barbeador elétrico, rabo quente (para aquecer a água do chimarrão), semáforos para controlar o trânsito, guitarra elétrica, cerveja gelada no verão (pobres homens), chapinha para alisar os cabelos (pobres mulheres), micro-ondas, banho quente, etc. Cabe considerar ainda que na falta de eletricidade também falta água nas residências. Evidente que sem energia elétrica haveria muito mais perdas do que as citadas neste texto, no entanto a intenção é apenas estimular a imaginação de cada um e comprovar o quanto todos nós vamos nos tornando mais dependentes da “luz” ao longo dos anos. Fico Por Aqui, desejando que Deus nos livre dos El Niños e dos Blackouts de hoje em diante, e convidando a todos para lerem neste espaço, na próxima semana, a coluna intitulada “O diálogo do militante fanático com o torcedor surdo na fila do caixa eletrônico”. Grande abraço!


Publicado em 11 de setembro de 2009.

ENTRANDO EM CAMPO

Hoje estou voltando à ativa (não, nunca estive na “passiva” pessoal, não vão pensar bobagem), depois de um período de férias. Ser patrão de si mesmo tem lá suas vantagens. Quando “ataquei” de colunista foi apenas para minimizar as momentâneas ausências do meu primo Caboclo e do meu amigo Julinho Sallaberry. Depois acabei ficando, ficando, ficando... e quando dei por mim já não estava nem tocando violão mais, apenas me preocupando com a crônica da semana que vem. Percebi então que bancar o escritor estava me prejudicando e era hora de dar uma parada (mais ou menos a mesma coisa que fiz aos 17 anos em relação à maconha, só que nesse caso acabei não voltando nunca mais). Pode parecer apenas uma analogia bem humorada, mas creio ser bem mais do que isso. A literatura é também um vício. Um bom vício, porém assim como todos os demais deve ser apreciado com moderação. A primeira expectativa que tive, logo que surgiu a oportunidade de trabalhar no jornal Meridional, foi a que eu finalmente conseguiria construir textos em prosa. Desde pequeno sempre fui mais “manso” em versinhos e, como o Meridional passaria a ser uma função de sobrevivência, eu não teria outra alternativa a não ser aprender. Como diz o ditado: “a dor ensina a gemer”, e quando o calo aperta a gente se vira. Considerando que todos nós estamos diariamente aprendendo, posso afirmar que tenho aprendido muitas coisas nestes quase 5 anos de jornal. Como por exemplo:
1) Algumas vezes uma foto bem (ou mal) comentada é mais eficiente que muitas indicações legislativas (posso afirmar por experiência própria);
2) O meio de imprensa é muito mais “viperino” que o meio político (outra conclusão tirada após sentir na pele as “façanhas” de certos “colegas”);
3) Se o jornal for colorido ou preto e branco não altera em nada nas vendas Por Aqui, só muda o preço para o anunciante;
4) O número de pessoas que lêem um jornal é, em média, 5 vezes maior que os exemplares veiculados;
5) As pessoas, em geral, tendem a valorizar textos bobos e corriqueiros e desprezar textos de grande relevância;
Teriam muitas outras tantas deduções que não caberiam nesta coluna, apenas deixo mais uma, a qual cheguei recentemente com a ajuda de um amigo. Descobri que - quando o assunto é política - tenho uma forte tendência a escrever do mesmo jeito que me expresso oralmente (em discursos, no caso). Na verdade o amigo que me alertou para isso estava P* da vida por causa de um texto onde ele se sentiu atingido, e que, eu imaginei, fosse lhe fazer dar boas gargalhadas. Talvez tivesse algum fundo de verdade. Talvez tenha sido uma verdade cruel demais para ser escrita. Não sei ao certo e nem vem ao caso, já me desculpei (embora cada vez mais o nosso mundo esteja pré-disposto a não aceitar desculpas de ninguém). O fato é que foi uma ótima descoberta, certamente irá me auxiliar para aperfeiçoar as formas de expressão literária e também caminhar na busca de melhor explorar tal estilo (se é que pode ser chamado, assim... “característica” talvez seja um termo menos exibicionista).
Bom, já falei demais por hoje, melhor encerrar Por Aqui. Deixo meus sinceros agradecimentos ao meu enfurecido, bem-sucedido e feliz amigo (por motivar minha volta) e dedico este recomeço ao nosso colunista esportivo (que já está quase completando DOIS anos na família Meridional... é gente, eu também não sei como é que nós agüentamos ele tanto tempo... imaginem só a coitada da minha amiga Rogéria!) o famoso desportista multimídia, Otávio Luiz Falcão, que me incomodou durante todo o período de férias (“- E aí chefe, vai voltar a coluna essa semana ou ainda não???). Ok, estamos aí! Com o time em campo mais uma vez e pronto para levar canelada... mas para bater também! É claro! Até a semana que vem e podem comentar que ninguém fica brabo!
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Publicado em 04 de setembro de 2009.

PEQUENA PARÁBOLA SOBRE LOUCURAS E PODER

Imaginem que naquela manhã o Presidente Lula estava aguardando a comitiva de autoridades de um pequeno lugarejo, que viria reivindicar melhorias para sua comunidade. Eles não eram políticos, mas haviam sido escolhidos por possuíram mais cultura e melhor nível intelectual que os políticos do povoado. Logo que o Porta-voz abriu a porta o Presidente já se levantou para receber os visitantes que entraram num grupo de quatro; seus nomes: Albertino, Ninja, Sica e Bonito. Sentaram ao redor da mesa e Lula começou a conversa perguntando sobre qual a função de cada um. “-Eu sou pecuarista e costumo fazer negócios internacionais de gado!” disse Albertino. “-Eu faço tudo, sou macho mesmo e não me afróxo!” disse o Sica. O Bonito limitou-se a dizer que estava com muita azia no momento, enquanto o Ninja começou a cochilar na beira da mesa.
O Presidente Lula, percebendo que o grupo era inusitado, resolveu ir direto ao assunto e saber quais as demandas do lugar a qual os quatro visitantes pertenciam. Albertino afirmou que era preciso mais investimentos na pecuária e no gado de corte. O Sica pediu mais álcool para todos e o Bonito pediu um pastel, enquanto o Ninja já soltava os primeiro roncos.
De repente a pré-candidata Dilma Rousseff entra na sala. O Sica grita: “Eu respeito a senhora, nunca lhe faltei com o respeito e quem disser ao contrário eu pego e arrebento os beiço...!” O Bonito soltou um sorriso, com mais gengivas que dentes, para a Ministra e disse: “-Que azia!” O Ninja acordou, olhou bem para ela e indagou: “Mariela? Que tás fazendo aqui?” Enquanto isso o Albertino pediu licença para atender uma ligação importante, pois estava por fechar um grande negócio com mais de 900 mil cabeças de gado.
Querendo colocar um ponto final na confusa reunião, Lula gesticula, com um de seus nove dedos, para a Ministra que, já sabendo o significado da senha, informa a urgência do Presidente se dirigir até o Ministério das Cidades.
Após se despedirem dos quatro cambaleantes interioranos, Dilma e Lula caminhavam pelo corredor da Casa Civil quando a Ministra questionou: “-O que eles queriam Presidente?” A resposta foi imediata: “-O mesmo que todos querem... soluções para seus problemas e melhoria de vida!”

Moral(is) da estória:
(1) Podem mudar as lideranças e os políticos, em pequenos e grandes lugares, que as demandas do povo sempre permanecem sendo as mesmas;
(2) O poder vicia tanto quanto a cachaça, usados em demasia mudam a personalidade de qualquer um;
(3) Ambas podem ser poderosas e favoritas para as próximas eleições, mas a nossa vice é mais bonita;
(4) Juro que escrevi isso sem ter bebido nada, foi falta de assunto mesmo, semana que vem prometo coisa melhor, um abraço a todos!
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Publicado em 05 de junho de 2009.

IDENTIDADES

Algo que me impressiona todo dia é como os seres humanos praticam o criativo hábito de construir apelidos entre si. Cada um de nós possui muito mais nomes do que caberia na certidão de nascimento. Para exemplificar resolvi usar meus próprios apelidos diários. Afinal, a grande maioria não gosta de lembrar de seus apelidos e nem da forma como são tratados (muitas vezes até sem saberem). Se tal curiosidade acontece comigo, podem apostar que acontece com todo mundo. Vejam só algumas maneiras de tratamento que recebo constantemente. Lá vai:
Filho – minha mãe (esse é óbvio, né?),
Papai – minha filha Olga (às vezes também me chama de careca e barrigudo, coitadinha da menina, acho que está precisando de óculos);
Ôpaiê! – minha filha Ingra (outro dia me chamou de “Mané”, ela deve ter aprendido essas coisas na escola ou na TV. Nem sabe o que significa. Ao menos eu espero...);
Companheiro – Fabiano Lima (heranças do passado político)
Azia – Marília Sales (sei que não é sincero, no fundo ela é minha fã);
Vereador – Faustino (não sei se é saudosismo ou deboche, mas não me incomoda);
Bretanha – Juninho, Jorge Américo e Fábio Caroço;
Mestre – Dr. Viríssimo (já faz tempo que nos tratamos assim, nem lembro porque);
Meu filho – Amália (não, ela não é minha mãe, mas às vezes tenho a sensação que somos almas gêmeas);
Primu – Caboclo (fazer o que né? Família a gente não escolhe);
Criatura – Chichano (acho que ele usa essa expressão com todo mundo);
Idiota – Julinho Sallaberry (ele chama todo mundo assim. Eu acho...);
Petê – Titon (outra herança do passado político);
Sidíí – Sandro Campello;
Arrogante – Dr. Ronaldo (confesso que já houve reciprocidade, hoje apenas indiferença);
Vizinho – Eliana Lúcio;
Cantorrr – Cristiano Vitória (aliás, tenho visto pouco essa figura depois que se tornou um pai fresquinho... parabéns goleirão, tu merece!)
Tio – Guilherme Ganso (é um insensível mesmo, um dia o Lorenzo e o Ulisses vão me vingar);
Meu irmão – Dr. Anarolino Silveira (acreditem ou não, somos irmãos. Coiós se entendem);
Sidinelson – Saninho;
Areninha – Inácio Lima (tinha que ser coisa desse “tranca rua”);
Sidigay – Miguel Vidal (só porque chamei ele de “My Girl” uma vez. Não sabe nem brincar);
Titiêr – Setembrino (arrisquei dar umas aulas de violão para ele... Bom, nós dois falhamos, mas é um grande amigo);
Zidiênéi – Nasser;
Chefe – Kika “Ranzolin” Ribeiro;
Professor – Samuel do conselho e Dr. Vitalino (no caso do Samuel também tivemos algumas aulas de violão. E... vale dizer que o resultado foi bem melhor que com o Setembrino);
Lindo – Gisele Bündchen (tá bem, admito que forcei um pouco. Foi só para ver se os leitores estavam atentos. Mas também ela nem me conhece, né? Quem sabe...)
Tem ainda uma boa parte da minha família que me chama de “Betinho”, só não me perguntem o motivo. Acredito que esse fenômeno de apelidos deve ocorrer com todo mundo. Talvez seja o que Max Weber chama de “papéis sociais” na sociologia. Enfim, minha sugestão é que, para amenizar tantas crises de identidade e facilitar a comunicação diária, as pessoas passem a usar aqueles crachás com nome. Já acontece Por Aqui em bancos, farmácias, no Baldaratt, etc. Podíamos usar todos e sempre, que tal? Quem se habilita a começar? Eu que não...


Publicado em 22 de maio de 2009.

PARA DESENTRISTECER LEÃOZINHO...

O time de futsal tinha a seguinte escalação: Hibanes no gol, Léo como fixo, Valder na ala esquerda, Beto na ala direita e eu como pivô. Não precisa dizer que não ganhávamos nunca. Ou quase nunca. Algumas vezes vencemos o time do “Zé do Ladislau”, por incrível que pareça, mas isso é outra história. Também tivemos a cara de pau de enfrentar o time oficial da AABB uma vez. Claro que levamos uma goleada, mas não lembro do placar. Paramos de contar quando eles marcaram o 30° gol, afinal ainda faltava meia hora para acabar a partida. É, não dá para negar que nossa habilidade com o copo (depois dos jogos e pela madrugada afora) era bem melhor do que com a bola no pé. E esse time se dispersou. O goleiro se transformou no Dr. Hibanes, é padrinho de minha filha Olga e avança cada vez mais seus conhecimentos na área de cardiologia. O Valder Valeirão tornou-se um dos melhores designers gráficos da região e do estado. O Beto (Alberto Brum) é hoje um respeitado enfermeiro em Pelotas e eu permaneço Por Aqui, fazendo minhas canções, incomodando os poderosos, colecionando alguns processos e dividindo alegrias e angústias com os leitores que ainda têm paciência de me acompanhar. Mas hoje não quero falar sobre esse time de amigos, pois nossas aventuras futebolísticas (e fora das quadras) dariam muitas outras crônicas. Quero falar especificamente do nosso fixo. O “Leocádio” ou “Lingote” ou “Cabo Libório” ou simplesmente Léo. O caçula da equipe. Alegre, tão debochado quanto eu (difícil acreditar né?), companheiro e extremamente afetuoso com os amigos. Durante um tempo viajávamos diariamente para Pelotas no “ônibus dos estudantes” e foi a época onde nosso convívio foi mais intenso. Lembro como se fosse ontem daquele guri, com cerca de 15 anos, chegando na parada com os cabelos longos molhados, um sobretudo preto, botinas castigadas e, ao invés de mochila, uma maleta (estilo vendedor). Sempre sorridente e disposto a aprontar qualquer molecagem que fosse proposta. Pois esse menino que teve boa parte de seus valores moldados pela “irmãe” e professora Lenice, inventou de fazer a maior de suas molecagens com os amigos e os familiares na última semana. Despediu-se da turma num bar em Guaíba, subiu em sua moto Yamaha 600 cilindradas (um sonho antigo dele) e partiu. Partiu para bem longe, deixando muita dor e saudade em todos que tiveram a oportunidade conhecê-lo. Quando saiu de Arroio Grande recentemente ainda deixou um bilhete para o vizinho Edson Vidal encerrando com a frase “viva a vida!” Esse era o Léo, o legítimo sinônimo da palavra VIDA. Alguém que jamais deixaria de tomar um banho de arroio para ficar navegando no orkut. Um cara que saboreava a existência intensamente. Com ele tudo era mais rápido. Tornou-se adulto mais cedo. Bastavam umas duas doses de whisky e já estava rindo à toa. Bastava apertar-lhe a mão para ganhar um amigo sincero, fiel e carinhoso. Quando pessoas com esse perfil nos deixam, também deixam um enorme vazio nesse mundo tão repleto de crueldades e injustiças. Um vazio indescritível, onde habita apenas a tristeza; e a saudade revela o seu lado mais perverso. Foi esse vazio que me preencheu (e a tantas outras pessoas) quando atravessei a infeliz experiência de participar do primeiro funeral de um grande amigo. O menino-leão que, teimoso, “furou a fila” e deve estar nos esperando em algum lugar. Mas esse vazio ainda haverá de amenizar. Ficam os versos de Caetano Veloso; na canção “Leãozinho”, que sempre me fez lembrar do Léo. “...para desentristecer leãozinho, o meu coração tão só, basta eu encontrar você no caminho...” Até breve meu amigo!

Publicado em 1º de maio de 2009.

O CABARÉ LITERÁRIO

Apreciei tanto a definição que o Caboclo utilizou para retratar o universo dos colunistas do Meridional (Crônnicas do Cine Marabá, edição de 17/4/2009) que não consegui conter a imaginação diante deste possível bordel formado por nossos estimados colaboradores e amigos. O Meridional sempre objetivou manter um perfil editorial diretamente ligado à política, cidadania, arte e literatura (que também é arte) e hoje tem motivos de sobra para sentir grande satisfação com a popularidade no mercado e com o trabalho apresentado pelos cronistas nas páginas deste polêmico semanário, amado por uns e odiado por outros. Mas voltando ao cabaré, imaginei até o plantel de “meninas”, atendendo a freguesia local e intermunicipal (para isso já temos até um ponto próximo à rodoviária). Vai aí o que seria o cardápio para noitadas literárias. Escolha a sua preferência querido leitor:
Duda Matta – Essa é uma menina muito maluca e inquieta. Dizem que bebe muito e fuma cigarros fedorentos, mas é dócil e carinhosa. Também prefere sestiar para fora, atendendo a clientela da campanha, mas precisamente pros lados do Capão das Pombas. Na verdade foi ela que abriu as pernas... digo, as portas do nosso cabaré para toda a comunidade.
Ana Rolina – Essa é uma menina mais experiente, educada, inteligente e que usa cabelos longos (rabo de cavalo). Gordinha, ótima para os clientes que se agradam das mais “cheinhas”, gosta de um bom bate-papo, de viajar e de dançar. Moça recatada, porém a maior parte dos fregueses é composta por coiós e, pelo que comentam, há Jacu para passar uma noite com ela também.
Julia – Essa menina é o xodó da casa. Cabelos claros, olhos azuis, habilidades em música e também em culinária. Um pouco casmurra, mas muito carinhosa. Agrada bastante a freguesia, sendo sempre bastante comentada e procurada.
Bonifácia – Menina que gosta do campo, ideal para os fregueses que curtem fazer as coisas ao ar livre. Fala pouco, mas é muito inteligente e sensível. Dizem que faz um amor ecologicamente correto.

Outra rapariga muito procurada pelos clientes é aquela que o Caboclo conceitua como “china veia” e que atualmente está “se moneando”, talvez cansada de tantas orgias semânticas e poéticas. Bom, tem eu também, mas admito que não sou muito bom de cama literária. Na verdade só estou no time dessas sirigaitas mesmo porque sou a dona da bola. Posso me dar o luxo de gerenciar as meninas do cabaré (o que já é um sufoco, elas são geniooosas... vocês nem imaginam), como a cafetina-mor da pornografia verbal e do erotismo gramatical apresentados semanalmente na Terra de Mauá. Ainda é preciso lembrar as outras “moças” dos cabarés co-irmãos, que se entregam semanalmente ao duro (ai!) ofício de escrever, despindo-se diante dos leitores e muitas vezes sem receber a devida consideração de seus fregueses/leitores. Um forte e fraterno abraço a todas e vamos rodar a bolsinha...
Publicado em 24 de abril de 2009.

A PRIMEIRA GUITARRA DE SIDNEY BRETANHA...

...segundo meu mano Arnóbio, não foi uma Fender Telecaster ou strato, nem Gibson Les Paul, nem Gianinni, Di Giorgio, Tonante, nenhuma marca existente em qualquer vitrine destas lojas especializadas no ramo musical. Um pedaço de “talba” qualquer, talvez um dormente da antiga ferrovia Mauá, que passava ali na beira dos campos de Dona Aldeide Bretanha, onde o Betinho (vulgo Sidney) passou sua infância. Sua “guita” chamaria Maibelline se aqui fosse o Mississipi e ele tivesse nascido Chuck Berry, talvez Lucille, que B.B. King salvou de um hotel incendiado em Chicago. Seria a mágica viola de 12 cordas do menestrel Basílio Conceição, nem o pinho enfeitado com adornos de prata do grande mestre Assis Botelho, de muitas milongas, rasqueados e contrapassos, animando fandangos, levantando a poeira nas bailantas de cola atada, ou, apenas fazendo um costado, pro velho minuano declamar sussurrando, assoviando entre as “talbas” de uma bolanta, e que algum dia poderão transformar-se na guitarra de algum guri. É!! Solitária bolanta perdida na pampa absoluta e a fumaça do fogão a lenha subindo aos céus noturnos, misturando-se ao rastro brilhante de estrelas... um tambo, chamado via-láctea, e que segundo Arnóbio, serviu de teto para um fugitivo da prisão de Fernando de Noronha, que veio de lá, dos trópicos se esconder aqui no Arroio Grande...um poeta chamado “Pedro Canga”, vulgo: O embuçado de Erval!! Enquanto isso o seu Omar (vulgo Valdoir) estava mergulhado no ritual preparativo de um arroz com galinha, ao qual tive a honra de ser convidado. Também me confidenciou o Arnóbio, que o Bar do castelhano chapista, andava fechado, porque o nosso bom Luis Alberto (vulgo castelhano chapista ou em estados alterados de consciência: Tiazinha) havia se passado no vinhozito branco e suave, que fica “mocozado”, sempre ali bem embaixo do balcão, enquanto atende sua clientela fidedigna, com a maior simpatia e educação que lhe são peculiares, e sendo assim, Eu, o Sidney e o Arnóbio, como freqüentadores fidedignos (pelo menos nos achamos), estamos reféns daquelas portões azuis, de momento fechados, também conhecido como Bar da Rampa. E de repente, sentia-se o cheiro estimulante dos temperos fritando na panela de ferro, a espera da penosa... ai, ai, ai. Que diriam de mim meus amigos vegetarianos. O Arnóbio tira de sua prateleira de relíquias, um daqueles monóculos de slide, e pela primeira vez, pude testemunhar a beleza mística de uma mina lá nos anos 60... Aldeide!!! Vestindo um pala quadriculado (ou seria xadrez?) sua áurea naquela foto me transformou em um de seus potenciais namorados numa próxima encarnação, onde nos conheceremos na flor de nossas futuras vidas... quem sabe? Mas ali nos loucos anos 60, Betinho ainda estava viajando pelas galáxias de sua inexistência material, mas sua alma já rondava estes pagos, de carona com o minuano, que assoviava “My Way” em compasso de milonga. E ele como um violeiro inspirado, escolheu a dedo chegar nesse mundo através do ventre de sua mamãe, e herdou dela o dom mágico de lidar com as plantas, e no seu caso específico... o pinho... nave com a qual viaja no realismo fantástico dos personagens mitológicos que só existem aqui no A.Grande. Mas a cerveja havia acabado, e os compromissos com a vagabundagem me chamavam, e eu deixei a casa do Arnóbio sem provar o rango, que já estava quase no ponto, e: “-Saltei pra resteva!!” Embarquei no fusca e subi a coxilha, em busca da felicidade, algo de extrema complexidade, porque é um estado de espírito que só existe a partir de uma imensa simplicidade, quase uma impossibilidade para a maioria previsível da humanidade. Propositalmente fugi de meu surrealismo habitual, pra escrever tudo isso que o Arnóbio me contou, e é ele quem tinha o dever para com seus amigos, admiradores e leitores de ser o narrador, impecável e espirituoso. E porque todos sabem que ele é um “china veia”, tanto no mundo burlesco como no mundo formal das letras. Então sendo assim... deixa de ser “Mona” e volte para o nosso cabaré literário... maninha.

Edu Damatta (Caboclo) - Publicado em 17 de abril de 2009.


IDEIAS SOLTAS

Praticamente tudo que existe no planeta em que vivemos é resultado de alguma ideia. As ideias são os embriões de tudo e são concebidas através da representação mental proveniente da imaginação. Mas vamos aprofundar um pouquinho o tema:
"Ideia, é um termo usado em duas acepções: como sinônimo de conceito ou, num sentido mais lato, como expressão que traz implícita uma presença de intencionalidade. A palavra deriva do grego idea ou eidea, cuja raiz etimológica é eidos – imagem. O seu significado, desde a origem, implica a controvérsia entre a teoria da extromissão (Platão) e a da intromissão (Aristóteles). No centro da polêmica está o conceito de representação do real (realidade). Para Platão, a ideia que fazemos de uma coisa provém do princípio geral, do mundo inteligível, que constitui a Ideia Universal, categoria que está na base da sua filosofia, o idealismo. Assim, a ideia da coisa é uma projeção do saber, ao verem a coisa, os olhos, emitindo raios de luz, projetam a imagem dessa mesma coisa, que existe em nós como princípio universal (extromissão). Esta doutrina é designada por idealismo. Para Aristóteles, a ideia da coisa provém da experiência sensível: as coisas emitem cópias de si próprias, através da luz, cópias assimiladas pelos sentidos e interpretadas pelo saber inato ou adquirido (intromissão), doutrina que funda o conceito de realismo. Estas noções estão presentes em toda a filosofia ocidental, em particular no campo da ontologia, a ciência do Ser."
Conseguiram entender alguma coisa no parágrafo anterior? Não? Muito menos eu! O que importa é que as ideias são mesmo fundamentais em nossa vida. Talvez por isso a "ideia" seja um substantivo feminino. Outro fator que está ficando cada vez mais fácil de constatar é que conforme a globalização e massificação de informações aumentam; mais importante e valiosa fica a capacidade de gerar ideias eficientes. Uma boa ideia sempre faz a diferença e tem poderes para mudar o mundo. Um planeta que se arrasta carregando crises financeiras, guerras, desmatamento, violência, saúde precária e tantas ações desumanas diariamente, está comprovado que carece de boas ideias. Além que a nossa situação já é grave, a ideia ainda perdeu o acento agudo, ficando bem mais feia e insignificante. Um legítimo atentado contra a estética da palavra, que além de castrar o acento (chamado pelas crianças recém alfabetizadas de "pauzinho") deixa dúvidas sobre seu futuro semântico e suas condições para sobreviver entre tanta pobreza de ideias e de espírito.
Ficamos Por Aqui, pois vocês não fazem ideia do trabalhão que me deu abordar esse assunto. Mas antes que alguém pergunte o motivo, vou justificar. Só decidi escrever sobre a ideia porque não tive nenhuma ideia melhor essa semana. É devo estar ficando meio mal das ideias mesmo...


Publicado em 17 de abril de 2009.

DE OLHOS QUASE FECHADOS

(Para Stanley Kubrick e em homenagem ao Glamour Gay)

Foi tudo muito de repente. Quando percebi lá estava eu, nu bem no meio de uma sala estranha e cheia de objetos esquisitos. Muitas pessoas ao meu redor, todas usando máscaras e vestidas com roupas largas e da mesma cor. O único pelado, naquele momento, era eu. Bem na minha frente um homem enorme fixava os olhos em mim e se aproximava lentamente. Percebi que sob as máscaras, algumas daquelas pessoas desconhecidas estavam rindo. Talvez debochando de minha nudez desajeitada ou divertindo-se com o que aconteceria comigo naquela noite. O grandalhão me agarrou com firmeza, me puxou para perto dele e não tive nem chance de resistir. O sujeito era muito maior e mais forte do que eu. Olhou meu corpo por inteiro e fez alguns gestos para os outros mascarados. Eu não conseguia entender nada do que eles diziam, apenas pude perceber que o lugar estava frio demais. A baixa temperatura me fazia tremer e me deixava ainda mais apavorado. Também havia várias luzes, muito intensas, no teto da sala, que atrapalhavam minha visão, tornando ainda mais difícil compreender o que eles fariam comigo naquele local. Eu estava até tentando esboçar alguma reação, quando senti o homem grande bater forte nas minhas nádegas com a palma da mão. A mão dele era gigantesca. Enquanto os mascarados riam, comecei finalmente a chorar. Talvez pela humilhação daquela cena, talvez pela dor da pancada que ele me deu ou sei lá por que. Creio que por misericórdia, uma mulher gorda se aproximou e cobriu meu corpo com uma toalha. Depois me apertaram bastante e eu não conseguia identificar mais o que estava sentido. Era como se eu estivesse dopado. Sob efeito de algum alucinógeno poderoso. Meus sentidos estavam confusos, meu corpo doía muito e eu ainda podia sentir um cheiro de sangue no ar. Assustado, com o corpo enrolado apenas numa toalha, senti quando me deitaram num lugar confortável. Foi nesse exato momento que enfiaram algo grande na minha boca. Eu me senti sendo violado e tentei resistir, mas era inútil. Eles eram muitos e eu estava muito fraco naquele momento. Então, sem alternativas, chupei aquela coisa. Chupei bastante e com força. Os mascarados riam muito, então apertei bem os olhos e não parei mais de chupar. Chupei até sentir um gosto de leite descer em minha garganta. Escorrendo sobre a língua, saltando da boca, saciando meus, até então desconhecidos, desejos. Foi maravilhoso, o primeiro grande prazer que senti na vida... Logo ao nascer, quando minha mãe me amamentou.

Publicado em 10 de abril de 2009.

NEGÓCIO FECHADO

Logo que ele saiu do elevador, entrou correndo na sala de reuniões e os diretores da empresa já estavam todos sentados ao redor de uma mesa enorme. Ele sabia que precisava ser perfeito naquele dia, pois somente assim conseguiria fechar um negócio fundamental para sua carreira. Precisava de investimentos em um projeto que fora construído com muita dedicação e que seria capaz de revolucionar o mundo dos negócios. Imediatamente pendurou gráficos, distribuiu folhetos e não parou de falar um só instante. Sempre usava a fala exagerada como uma de suas técnicas de vendas, assim conseguia hipnotizar os clientes. Era uma estratégia infalível, que ele tinha desenvolvido ao longo dos anos.
- Os senhores verão, através destes dados detalhados e do estudo que vou lhes apresentar que, com este investimento poderemos chegar a um faturamento de até 21% ao mês e ainda mudar as diretrizes atuais do mercado. Largaremos na frente e o tempo que os concorrentes vão levar para nos copiar será a grande garantia da multiplicação de nossos lucros e... – era uma avalanche de informações, números e argumentos variados para convencer os diretores da empresa. Possuía um enorme conhecimento sobre o mercado e havia passado anos desenvolvendo aquele projeto, portanto, era o grande momento de sua vida. Foi respondendo as perguntas dos diretores de maneira convincente e pouco a pouco envolvendo todos em sua idéia inovadora. Permaneceu concentrado durante toda a reunião, que já durava horas. Aos poucos ele percebeu que estava se saindo bem e muito próximo de obter sucesso, pois alguns diretores já balançavam a cabeça em sinal de positivo. Outros sorriam com cara de satisfação e mantinham os olhos fixos nos gráficos com uma expressão de quem estava aprovando tudo. A sorte parecia estar com ele naquele dia. Ao final de sua explanação, surpreendentemente, os diretores levantaram de suas cadeiras e aplaudiram. Ele havia conseguido. Seria o maior negócio de sua carreira. Uma nova vida para a família, com mais conforto e riquezas. Quando os aplausos silenciaram, ele estava com o olhar perdido através da janela, concentrando-se para não chorar de emoção. Então soltou um grito desesperado, bem no meio da sala de reuniões:
- Puta que pariu!!!
Foram as últimas palavras que ele disse em seu pronunciamento aos diretores da empresa, antes do primeiro avião atingir o World Trade Center. O negócio nunca aconteceu.

Publicado em 27 de março de 2009.

INCLINAÇÕES MUSICAIS

...é o título de uma canção do compositor pernambucano Geraldo Azevedo em parceria com Renato Rocha, que começa com o seguinte verso: “Quem inventou o amor teve certamente inclinações musicais...” O verso inicial da canção de Geraldo (que chegou a ser gravada por Nara Leão) reflete poeticamente apenas um pouco da importância da música em nossas vidas. Creio que sequer existe vida sem música. Nem mesmo para os surdos. Se alguém não acredita, então recomendo o filme “Mr. Holland’s Opus” (Mr. Holland, adorável professor – segundo a versão brasileira), com Richard Dreyfuss, lançado em 1995 (nem é tão velho assim). Onde um professor de música, após descobrir que seu filho nasceu surdo, passa a desenvolver técnicas de educação musical para deficientes auditivos. A música está presente em tudo e em todos os momentos, manifestando-se com constância no dia-a-dia de todos nós. Existe uma trilha sonora permanentemente ao nosso redor, embalando nosso cotidiano; quanto mais desfrutamos da música e nos deixamos envolver por ela, mais nos qualificamos para viver em harmonia nesse mundo. A música não é, tal qual aquele velho e desbotado conceito acadêmico, apenas a arte de combinar os sons e expressar sentimentos e/ou coisas através deles. Não, é muito mais do que isso. A música pode penetrar as almas, curar grandes males, rejuvenescer os espíritos e, acima de tudo, gerar o amor, em sua simplicidade e plenitude. Como no filme “O som do coração”, que também recomendo (este bem mais novo e pode ser encontrado na MEGA DVD’s, na Fênix e na Star cine, e talvez em outras, mas sabe como é né... eu só cito os clientes do jornal Meridional), pois, apesar de alguns exageros cinematográficos, também auxilia na compreensão do real valor da música e dos musicistas para a humanidade. Quando escutamos uma música ela não penetra somente em nossos ouvidos, mas sim em nossa alma por inteiro. Talvez por isso cada vez mais jovens almejem se tornar músicos, cantores, etc. Afinal, são inegáveis os “poderes” que a música concede aos musicistas, creio que principalmente aos compositores e aos cantores. Como, por exemplo, o poder de invadir o carro de uma pessoa bacana e sensível, que está trafegando solitária sob uma forte tempestade e confortar seu coração, deixando, através da magia musical, a felicidade espalhada pelo ar. Isso é uma recompensa que somente os músicos/artistas têm no desempenhar de suas funções/carreiras. Os mesmos músicos que algumas vezes são considerados vagabundos e condenados socialmente por não possuírem uma carteira de trabalho assinada. Alguns desses vagabundos idealizam o sucesso e a fama, outros já perderam seus ideais há muito tempo, lutando pela sobrevivência, sendo que ainda há outros que querem apenas musicar a vida de sua aldeia e de sua gente. Esses últimos possuem sonhos pequenos, tão pequenos que (como diria Humberto Gessinger) nunca têm fim. São vistos como pessoas complicadas, esquisitas e de comportamento incomum. Mas, ao contrário do que muitos pensam, são artistas que não se preocupam com aplausos e encontram a satisfação plena ao ver sua obra se manifestar na vida das pessoas que admiram. Mesmo quando o público é uma única pessoa, solitária dentro de um carro e sob um temporal de verão. Ter a capacidade de emocionar esse precioso público pode até não ser nenhum cartão Visa Mastercard, mas é algo que não tem preço. Algo que dá ao músico a certeza da importância de seu trabalho. Uma sensação que eterniza e justifica a poesia simples e exata máxima de Caetano Veloso que diz: “...como é bom poder tocar um instrumento!” Uma sensação que mentes ignaras, e limitadas à ganância financeira e à gula por poder, jamais compreenderão. Aos que consideram hipocrisia e duvidam da existência dessa sensação indescritível fica a sugestão de que busquem, através de sua tão propagandeada humildade, compreender e aprender com aquilo que desconhecem. Bastando para isso empinar menos o nariz e saber inclinar-se mais diante da sabedoria intuitiva que somente a arte pode proporcionar. É simples, basta inclinar-se um pouquinho... ouvir... ouvir... e logo o amor chegará em seus corações, pois a música está em toda parte e quem inventou o amor teve certamente inclinações musicais.
Encerro Por Aqui deixando um grande e fraterno abraço ao amigo e ex(?)companheiro Juninho, que com palavras certeiras e de incontestável talento me retratou em sua coluna do dia 13 de março (mesma data em que o blog Auto Retrato completou 1 ano no ar). Haverei de retribuir a atenção assim que a inspiração permitir, talvez não com a mesma qualidade literária, mas certamente com equivalência de carinho e sinceridade.

Publicado em 20 de março de 2009.

SIDNEY

Dia 20 de fevereiro, sexta-feira, véspera de carnaval, dez horas da noite. Eu andava de automóvel pela Andrade Neves, próximo ao Centro de Pelotas, debaixo de uma chuva torrencial, rumo ao Bar do Nenê. Sozinho, busquei sintonizar uma FM qualquer, entre as emissoras de rádio da cidade. 95.3, não; 99.9, não; de repente, na 104.5, escuto uma voz conhecida, um violão conhecido, uma canção conhecida. “Procura um amigo, procura um amigo e não acha”, diz o refrão, que me acompanha já quase no cruzamento com a Avenida Bento Gonçalves. A música é Norina, uma antiga homenagem à Morocha, composta há mais de vinte anos pelo Caboclo, aquelas coisas mágicas que só o bruxo Edu Damatta consegue criar. A rádio é a Rádio Com, a Comunidade FM, o violão é do Pardal Moura e a voz é do Bretanha, do Sidney, do Sidney Bretanha. O Sidney, ele mesmo, o músico e compositor, o criador do Milonga Mauá, o político que foi vereador e candidato a Prefeito por aqui (para usar uma expressão dele), o Diretor do Jornal Meridional, o cara que vive da controvérsia, de bater no governo local, o homem que alguns detestam, o guri que poucos compreendem, o artista que muitos sequer conhecem, o ser humano que poucos observam. Pois esse Sidney, o filho da Zaidinha, o pai de duas meninas, o parceiro do Gelson Domingues, o sujeito que parece ser realmente complicado e que às vezes dá a impressão de que se diverte (?) com a divisão que provoca (??) e com todos os juízos (???) que costumam fazer dele – os bons, os maus, os bonitos, os feios... -; pois para mim, que também já devo ter externado todos os juízos possíveis sobre ele (com que direito? a que troco?), naquele dia 20 de fevereiro, uma sexta-feira, véspera de carnaval, às dez horas da noite, somente uma coisa realmente importou: eu estava sozinho em Pelotas (quando não queria estar sozinho), debaixo de uma chuva torrencial, e o Sidney apareceu para mim, cantando na FM Comunidade, 104.5, “procura um amigo, procura um amigo e não acha”. E eu reconheci a voz do Sidney nas ondas do rádio, e eu agradeci por ele ser artista, e eu fiquei alegre por ele estar ali comigo, e, quando a música terminou e a chuva diminuiu, eu desci do carro e entrei no bar, e cumprimentei o Nenê e a Dona Marly com a maior felicidade possível, e aí - pronto! -, eu já não estava mais sozinho quando não queria estar sozinho. E eu precisava dizer isso para todos, mas especialmente para o Sidney que, eu sei, costuma andar às vezes tão sozinho quanto eu, mesmo por aqui, pelas ruas da nossa cidade (dele, minha, de todos nós...), com a agravante, talvez, de não ter quem cante para ele, “procura um amigo, procura um amigo e não acha...”. Um abraço, Bretanha.

Pedro Bittencourt Jr. (Juninho) – Publicado em 13 de março de 2009.